DENSIDADE E DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DE CIRRÍPEDES ENDOBIONTES DA ESPONJA CLIONA VARIANS (Duchassaing & Michelotti, 1864)

Ana Verena Madeira

Solange Peixinho

ABSTRACT

Density and spatial distribution of inhabitants barnacles in the sponge Cliona varians (Duchassaing & Michelotti, 1864). This paper presents the density and distribution pattern of an obligatory inhabitant barnacle on sponge, Membranobalanus declivis (Darwin, 1854). This species was collected at Cliona varians on Pituba Beach (13º00’.28S/38°27’.26W), Salvador, Bahia in dry and rainy seasons. Statistical analysis has indicated an aggregate distribution and a high density of barnacles (0,6 /cm²) in both seasons, with elevated variance in the samples, but without significant variation among them (p=0.05). The results are discussed on the light of actual hypothesis about specificity of this association.

Keywords: sponge-inhabiting barnacle, density, spatial distribution, Cliona varians, Membranobalanus declivis.

 

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INTRODUÇÃO

Os poríferos constituem o grupo de animais mais densamente habitado por outros, os quais penetram suas cavidades e canais ou fixam-se em sua superfície (Fishelson, 1966).

É conhecido que as relações dos endobiontes com os seus hospedeiros são as mais diversas, podendo apresentar desde associações ocasionais não especializadas até um parasitismo verdadeiro, este realizado principalmente por crustáceos (Sarà & Vacelet, 1973).

Numerosos grupos de crustáceos vivem em associação com esponjas, dentre os quais os cirrípedes dos gêneros Acasta e Membranobalanus, simbiontes obrigatórios de esponjas, ocorrentes nas regiões tropicais, subtropicais e temperadas amenas (Zullo & Standing, 1983).

Este trabalho apresenta os resultados de densidade e distribuição espacial dos cirrípedes endobiontes de Cliona varians (Duchassaing & Michelotti, 1864) da Praia da Pituba em duas estações do ano, bem como observações sobre o aspecto da superfície em função das procedências das esponjas. Enfoca ainda problemas relativos às interpretações sobre a especificidade e o tipo de relação.

MATERIAL E MÉTODOS

A esponja Cliona varians (Demospongiae: Spirastrellidae) tem distribuição endêmica para o Atlântico tropical americano (Hechtel, 1976). Na Bahia, é freqüente na zona entremarés de numerosas praias do litoral de Salvador. Com forma incrustante espessa, geralmente recobre um substrato areno-calcário consolidado. Sua cor externa é marrom e a interna entre o cinza e o bege.

Os cirrípedes endobiontes foram identificados como Membranobalanus declivis (Darwin, 1854), família Archaeobalanidae.

As amostras foram obtidas na Praia da Pituba (13°00’.28 S/38°27’.26 O), a qual está situada na zona urbana de Salvador, recebendo alta carga de efluentes domésticos. Em cada um, de dois exemplares de esponjas de poça de maré, a menos de 1m de profundidade, foram lançados, ao acaso, 10 quadrados (10x10cm).

A primeira amostragem foi realizada em julho de 1990 (estação chuvosa) sobre um exemplar de Cliona varians com aproximadamente 45.000 cm² de área (amostra 1). Esse exemplar e mais outro do mesmo ponto de coleta, com áreas aproximadas de 45.300 e 36.000 cm ² (amostras 2 e 3 respectivamente), foram igualmente amostrados em fevereiro de 1991 (estação seca).

Foram calculadas a densidade dos cirrípedes, a variância dentro das amostras e, pelo t-student a significância (p=0,05) das diferenças entre as amostras 1 e 2, que correspondem ao mesmo indivíduo de A. varians em duas estações diferentes, bem como entre as amostras 2 e 3, correspondentes a dois indivíduos diferentes em um mesmo instante amostral.

O padrão de distribuição das cracas foi determinado pelo índice de agregação de Morisita (1959).

Observações suplementares foram realizadas em diferentes praias do litoral de Salvador (Ondina, Amaralina e Itapuã), assim como em pontos da Baía de Todos os Santos (Ponta de Santo Antonio e Mar Grande).

RESULTADOS

Os resultados da análise estatística apresentados na Tabela I revelaram, para a amostra 1, uma densidade de 0,54 cirrípedes/cm² enquanto nas amostras 2 e 3 as densidades foram respectivamente, 0,60 e 0,55 cirrípedes/cm² . Dentro de cada amostra a variância foi alta (1191,0; 912; 854). O padrão de distribuição revelou-se agregado (Ia>1).

Quanto ao resultado da análise de variância entre as amostras, detectamos que as diferenças entre as mesmas não foram significativas tanto para o mesmo indivíduo nas estações seca e chuvosa, quanto para indivíduos diferentes na estação seca.

Foi observado que os cirrípedes se alojam nas aberturas osculares das esponjas, deformando a superfície da mesma. A alta densidade desses endobiontes obriga Cliona varians a formar novos ósculos, que se apresentam mais próximos. Desse modo é alterado o padrão de distribuição oscular observado em exemplares não infestados da praia de Amaralina .

Ao menos na Praia da Pituba, Membranobalanus declivis não está associada a nenhuma das muitas espécies de esponjas já observadas por nós em frequentes coletas na área. Por outro lado, nenhum outro cirrípede está associado a C. varians.

DISCUSSÃO

As amostras da esponja C. varians da Praia da Pituba apresentam uma alta incidência do cirrípede Membranobalanus declivis nas estações chuvosa (543) e seca (603 e 554). Embora a variação entre as amostras não tenha sido significativa, dentro das mesmas foi muito alta o que pode ser explicado pela já conhecida distribuição agregada dos cirrípedes. Uma incidência elevada de endobiontes em Demospongiae tem sido citada na literatura (de Laubenfels, 1947; Fishelson, 1966) no entanto, menores densidades de endobiontes também podem ocorrer, a exemplo da associação entre cirrípedes e esponjas observada por Zullo e Standing (1983).

Nossos resultados são muito diferentes dos obtidos por Zullo e Standing (1983), em uma profundidade de 22 a 32 metros, na Carolina do Norte. Tal trabalho assinala apenas 8 e 4 indivíduos do cirrípede Membranobalanus costatus em dois exemplares de Cliona varians ( citada como Anthosigmella varians ) e 1 e 5 indivíduos de M. declivis em dois exemplares da esponja Spheciospongia vesparium , esta também da família Spirastrellidae, em geral com grande biomassa.

A variação de densidade de diversos endobiontes de esponjas das Bermudas, inclusive M. declivis foi correlacionada com a profundidade por Pearse em 1934 (apud Sarà e Vacelet, 1973). Este autor encontrou o triplo de endobiontes por cm³ em exemplares de S. vesparium de altas profundidades em relação a indivíduos provenientes de águas mais rasas. A comparação destes dados com aqueles da Carolina do Norte indica que apenas a profundidade não explica as diferenças de densidades de endobiontes encontradas.

Por outro lado, Zullo e Standing (1983), levantaram a hipótese da existência de especificidade entre Membranobalanus declivis e a esponja Spheciospongia vesparium. Isto com base nas suas observações na Carolina do Norte e nos outros dois únicos registros do hospedeiro de M. declivis feitos por Pearse (1932) e Wells (1966) (apud Zullo e Standing op. cit.) para Bermudas e Golfo da Flórida, respectivamente. Sugeriram também uma provável relação específica entre M. costatus e Cliona varians.

Nossos resultados porém, demonstram claramente que tal especificidade não tem caráter global, uma vez que em Salvador M. declivis está associado a C. varians.

Foram feitas algumas considerações sobre o tipo de associação entre cirrípedes e esponjas. Sarà e Vacelet (1973) afirmaram que a hipótese de parasitismo, baseada na obrigatoriedade da esponja formar novos ósculos, não teve comprovação. Por outro lado, Zullo e Standing (1983), sugeriram uma relação de simples comensalismo, para a qual também ainda não existe suporte experimental. Salientamos, no entanto, que em qualquer um dos possíveis experimentos sobre a relação em tela, o fato que precisa ser considerado é que efetivamente as cracas hospedeiras causam um certo desconforto à esponja, pois esta é obrigada a abrir novos ósculos.Isto implica não apenas no aspecto estético de sua superfície, mas sobretudo na funcionalidade do sistema aqüífero, pois seguramente há um custo energético importante.

CONCLUSÕES

Do presente estudo conclui-se que, na Praia da Pituba (Salvador -BA), Membranobalanus declivis infesta a esponja Cliona varians com alta densidade e distribuição agregada, sem diferenças estatisticamente significativas entre indivíduos e estações.

Por outro lado, este trabalho registra também uma nova esponja hospedeira para M. declivis, sugerido até então como específico da esponja Spheciospongia vesparium e um novo endobionte para Cliona varians registrada como tendo apenas M. costatus.

Observações preliminares indicaram a existência de diferentes graus de infestação, de acordo com os pontos de coleta em Salvador e adjacências. Deste modo, para confirmar esta premissa e compreender a eventual diferença, futuras análises de densidade deverão ser correlacionadas às características fisico-químicas dos pontos de estudo.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos a Marlene C. Peso-Aguiar pelas contribuições referentes ao método de amostragem, a Cristiane M. Farrapeira de Assunção pela identificação dos cirrípedes e a Priscila Paixão Lopes pela leitura crítica deste artigo. O suporte financeiro foi do CNPq, quota de iniciação científica 800.422-86-4/ZO.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FISHELSON, L. Spirastrella inconstans Dendy (Porifera) as an ecologic niche in the littoral zone of the Dahlak Archipelago (Eritrea). Sea Fish. Sta. Haifa. Bull., v. 41, p.17-25. 1966.

HECHTEL, G. J. Zoogeography of Brazilian Demospongiae, p: 237-260. In: F.W. Harrison e R.R. Cowden (eds.), Aspects of Sponge Biology. Academic Press.354p. 1976.

LAUBENFELS, M.N. de. Ecology of the sponges of a brackish water environment, at Beaufort, N.C. Ecological Monographs. v.17, n.1, p.31-46. 1947.

MORISITA, M. Measuring of the dispersion of individuals and analysis of the distributional patterns. Men. Fac.Sci. Kyushi Univ., ser. E (Biol.) v. 2, n. 4, p. 215 - 235. 1959

SARÀ, M. & VACELET, J. Écologie des Démosponges, p. 462-576. In: P. Brien, C. Lévi, M. Sarà , O. Tuzet e J. Vacelet. Spongiaires. Traité de Zoologie, anatomie, systématique, biologie (P. Grassé, Ed.), Paris Maisson. v. 3, n. 1, 716p. 1973.

ZULLO, V.A. & STANDING, J.D. Sponge-inhabiting barnacles (Cirripedia: Archaeobalanidae) of the Carolinian Province, South United States, with description of a new species of Membranobalanus Pilsbry. Proc. Biol. Soc. Wash.,v. 96, p. 468-477. 1983.

 

Tabela I - Análise Estatística de Membranobalanus declivis (Darwin, 1854) em três amostras de Cliona varians. SA = sub-amostras; f = freqüência; D = densidade; `` Dm`= densidade média; S² = variância; Ia = índice de agregação

 

AMOSTRA

1

2

3

SA

f

f

f

1

32

28

47

2

63

32

68

3

27

51

20

4

29

119

104

5

13

68

64

6

127

84

15

7

84

43

43

8

35

80

35

9

57

71

64

10

76

30

94

Total

543

603

554

D

0,54

0,60

0,55

Dm

54,3

60,6

54,4

S²

1186,9

857,4

853,8

Ia

21,9

15,0

15,4

 

 

 


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