FILOGENIA E CLASSIFICAÇÃO DE PORIFERA
A mais antiga praia de invertebrados, "a praia de Ediacara" ( período Vendiano, 600 a 540 milhões de anos), foi descoberta nos anos 50 no sul da Austrália onde foram identificadas 27 espécies, algumas com vários exemplares, graças aos traços por elas deixados no sedimento.Só recentemente adiciona-se uma provável esponja à esta fauna antiga, originalmente constituída de cinco espécies proximas aos anelídeos atuais, dezenove medusas e outros indivíduos difíceis de identificar, mas que poderiam ser ancestrais ou dos artrópodes ou dos equinodermos. Em 1996 foi identificada e descrita da fauna de Ediacara na Austrália uma provável esponja, Paleophragmodictya, a qual apresenta uma rede reticular de espículas semelhante a muitas Hexactinellida recentes.
Assim, podemos dizer que a história evolutiva das esponjas é muito antiga, com registro fóssil no Vendiano Superior, aproximadamente 600 m.a.atrás, no entanto, considerando que só alguns tipos de esponjas petrificam facilmente, o grupo como um todo pode ser bem mais antigo.Cabe ressaltar a importância deste filo na construção de recifes de coral em eras geológicas passadas, particularmente Paleozóico e Mesozóico, pois muitas esponjas fossilizadas atestam que nestes períodos seus esqueletos eram sólidos, contituídos de carbonato de cálcio e/ou sílica. Embora na atualidade as esponjas sejam importantes elementos nas comunidades recifais, elas não mais participam da construção dos recifes propriamente ditos.
Só recentemente as afinidades filogenéticas desses antigos construtores de recifes ( arqueociatos, estromatoporóides, chaetetídeos, esfinctozoários) ficaram mais esclarecidas, conseqüência da descoberta, em 1985, de 15 espécies de esponjas coralíneas modernas, com esqueleto calcário sólido e sem espículas. Essas esponjas, remanescentes da antiga fauna, foram encontradas em cavernas submarinas ou em hábitats crípticos de recifes de coral de mares atuais, particularmente tropicais.Se essas espécies fossem encontradas como fósseis seriam classificadas como estromatoporóides, chaetetídeos e esfinctozoários, no entanto, informações sobre esqueleto, citologia e características larvais desses "fósseis vivos" sugerem que algumas espécies podem ser classificadas como Calcarea, enquanto outras têm mais afinidade com as Demospongia atuais.Estudos moleculares recentes confirmam a polifilia das esclerosponjas, portanto a quarta classe denominada Sclerospongia, inicialmente criada para abrigar as esponjas coralíneas relíquias, foi abandonada.
Quanto aos arqueociatos há apenas uma concordância entre os autores na atualidade, sua organização os coloca próximo das esponjas e não dos cnidários, como anteriormente se pensava. Uma análise filogenética feita por Reitner em 1990 sugere Archaeocyatha como sendo grupo-irmão de Demospongia.
Morfologicamente as esponjas das classes Demospongia e Calcarea estão mais relacionadas entre si do que com as esponjas da classe Hexactinellida e esta visão tem tido ampla aceitação entre os pesquisadores de esponjas.No entanto, resultados de estudos moleculares diversos, ora aponta Hexactinellida e Demospongia como um grupo monofilético ora diz que Hexactinellida divergiu cedo do antepassado comum às Calcarea e às Demospongiae, estas tendo surgido posteriormente.Em certos estudos, portanto, as esponjas são consideradas monofiléticas, mas possivelmente com táxons parafiléticos.
O principal caracter morfológico que embasa a defesa da monofilia é a presença do sistema aquífero,a chave sinapomórfica que define o Filo, sendo portanto uma autapomorfia.O transporte de espermatozóide pelas células transportadoras ( coanócitos desdiferenciados) em esponjas com fecundação interna pode representar uma outra autapomorfia do grupo.
É interessante notar em trabalhos de sistemática molecular, o status das esponjas calcárias em relação aos demais metazoários, onde existem indicações que as Calcarea estariam mais próximas de invertebrados como Cnidaria, do que as esponjas silicosas.Esta visão põe em questionamento a clássica crença nas esponjas calcárias como sendo o grupo mais primitivo, embasada, entre outros caracteres, na presença de todos os graus de organização do sistema aqüífero, o que não ocorre nos demais grupos (Demospongia: tipo leucon; Hexactinellida: o coanosincício de forma ovóide assemelha-se às câmaras coanocitárias do tipo sicon)
Desde 1983 aceita-se a divisão das esponjas em dois subfilos: Symplasma e Cellularia; o primeiro inclui apenas a classe Hexactinellida enquanto o segundo abriga as classes Calcarea e Demospongia.No entanto, Bergquist sugeriu em 1985 a separação das Hexactinellida em um filo distinto, já que os membros deste grupo não apresentam várias apomorfias de esponjas. Esta sugestão, que implica numa visão merofilética para o grupo em questão, não tem sido acatada pelos demais esponjólogos. É verdade que a organização das Hexactinellida é diferente das demais esponjas porque é constituída por um sincício; as suas espículas portando seis raios são chamadas de hexactinas, derivando daí o nome da classe, embora alguns membros desse grupo possuam espículas com quatro raios, as quais podem representar uma redução morfológica das hexactinas ou um caráter plesiomórfico de espículas de Hexactinellida.
Devido ao fato das Hexactinellida abrigarem esponjas com coanosincício e as Calcarea e Demospongia abrangerem esponjas com coanócitos, existe uma corrente de opinião favorecendo a origem das esponjas a partir de ancestrais protistas flagelados, seja através de uma forma colonial livre-natante ou de coanoflagelado colonial.Os coanócitos e coanosincícios, portanto,são considerados caracteres plesiomórficos porque os coanoflagelados parecem exibir a mesma estrutura básica.No entanto, em face das diferenças marcantes entre os dois subfilos (Symplasma e Cellularia) pode-se especular sobre origens a partir de dois grupos de coanoflagelados ancestrais. Sob a óptica desta última hipótese - de origem independente - a multicelularidade, presença de junções septadas e colágeno teriam evoluído convergentemente.
Segundo Nielsen (no livro publicado em 1995) várias perguntas precisam ser respondidas antes de uma escolha, bem fundamentada, das possíveis filogenias e este autor optou, provisoriamente, pela visão mais conservadora, a qual considera os dois subfilos propostos em 1983 - Symplasma e Cellularia e o filo Porifera como grupo irmão de Placozoa+ Eumetazoa.
De acordo com a teoria colonial, o flagelado que deu origem aos metazoários sofreu uma especialização que culminou na divisão de trabalho das células somáticas, proporcionando a transição entre uma colônia de indivíduos unicelulares para um novo nível de organização: o nível multicelular. Neste contexto várias apomorfias conhecidas, ao menos nos Porifera/Cellularia, como a muticelularidade combinada à ocorrência esporádica de junções septadas e a ausência de lâmina basal pode ser olhada como graus intermediários entre o nível colonial dos coanoflagelados para o multicelular completamente integrado dos Eumetazoa.
Deste modo, as esponjas recentes compartilham com os demais metazoários a multicelularidade combinada ao colágeno e às esporádicas junções septadas e com certos protozoários flagelados a ausência de tecidos verdadeiros ou órgãos reprodutores, totipotência celular e as mesmas estratégias excretoras, respiratórias e osmorreguladoras .As esponjas, portanto, alcançaram a multicelularidade sem adquirir certas peculiaridades típicas dos demais metazoários, a exemplo de sistema nervoso, digestão extracelular, estruturas reprodutoras e excretoras fixas. Essas características indicam que as esponjas realmente tiveram uma origem precoce na cladogênese dos metazoários.
No texto abaixo apresentamos o esquema de classificação em uso, seguido de uma breve caracterização dos principais grupos de esponjas.
I .CLASSIFICAÇÃO ATUAL
FILO PORIFERA
CLASSE CALCAREA
SUBCLASSE CALCINEA
ORDENS: CLATHRINIDA
MURRAYONIDA*
SUBCLASSE CALCARONEA
ORDENS: LEUCOSOLENIIDA
LITHONIDA*
*Pertenciam a extinta subclasse Pharetronida
CLASSE DEMOSPONGIAE
SUBCLASSE HOMOSCLEROMORPHA
ORDEM HOMOSCLEROPHORIDA
SUBCLASSE TETRACTINOMORPHA
ORDENS: SPIROPHORIDA
ASTROPHORIDA
HADROMERIDA
"LITHISTIDA"
MERLIIDA*
TABULOSPONGIIDA*
*Pertenciam a extinta classe Sclerospongia
SUBCLASSE CERACTINOMORPHA
ORDENS: VERTICILLITIDA
AGELASIIDA
POECILOSCLERIDA
HALICHONDRIDA
HAPLOSCLERIDA
DICTYOCERATIDA
DENDROCERATIDA
VERONGIDA
CLASSE HEXACTINELLIDA
SUBCLASSE AMPHIDISCOPHORA
ORDEM AMPHIDISCOSIDA
SUBCLASSE HEXASTEROPHORA
ORDENS: HEXACTINOSIDA
LYCHNISCOSIDA
LYSSACINOSIDA
SUBFILO CELLULARIA: organização sempre celular.
CLASSE CALCAREA: marinhas, espículas calcárias, isoladas ou cimentadas; sistema aqüífero de três tipos básicos (ascon, sicon e leucon) e formas intermediárias entre eles.
SUBCLASSE CALCINEA: espículas diactinas, triactinas e/ou tetractinas regulares, raramente irregulares; núcleo dos coanócitos em posição basal; larva celoblástula.
SUBCLASSE CALCARONEA: espículas diactinas, triactinas e tetractinas irregulares, raramente regulares; núcleo dos coanócitos em posição apical; larva anfiblástula.
CLASSE DEMOSPONGIAE: contém 95% das espécies recentes, a maioria marinha e apenas quatro famílias límnicas; esqueleto composto de megascleras diactinas, triactinas e tetractinas silicosas; microscleras variadas; colágeno fibrilar + espongina + espículas; colágeno fibrilar + espongina; colágeno fibrilar; espículas silicosas + colágeno + esqueleto de aragonita ou calcita maciço; esqueleto de aragonita sem espículas; sistema aqüífero no padrão leuconóide.
SUBCLASSE HOMOSCLEROMORPHA: quando presentes, as espículas são tetraxiais e derivadas com raios de tamanhos iguais; embriões incubados ( reprodução vivípara); larva anfiblástula.
SUBCLASSE TETRACTINOMORPHA: megascleras e microscleras incluem espículas tetraxiais, ásteres e derivados; predominantemente ovíparas; larvas parenquimela ou blástula rastejante.
SUBCLASSE CERACTINOMORPHA: megascleras monaxiais, microscleras, quando presentes, são variadas ( sigma, quela, toxa, etc); vivíparas ou ovíparas; larvas parenquimela.
SUBFILO SYMPLASMA: o protoplasma multinucleado não é dividido em células, é portanto sincicial.
CLASSE HEXACTINELLIDA: em geral de mares profundos; espículas silicosas com seis raios (hexactinas), individuais ou fusionadas; coanócitos apenas com colarinho e flagelo embebidos em um protoplasma, esticadas entre espículas e conectadas entre si; larva parenquimela incubada.
SUBCLASSE AMPHIDISCOPHORA: esqueleto não fusionado, microscleras do tipo anfidiscos; enterradas em substrato inconsolidado por longas espículas monactinas.
SUBCLASSE HEXASTEROPHORA: em geral o esqueleto é cimentado em rede, com microscleras hexásteres; formas de crescimento variadas e usualmente fixadas em substratos consolidados; quando presentes, as espículas da base ocorrem em tufos.
Bibliografia consultada:
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Nielsen, C. Animal Evolution: interrelationships of the living phyla. Oxford, England: Oxford University Press, 1995, 467p.il.
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Reitner, J. Are archaeocyaths sponges, or are sponges archaeocyaths? Geological Society of Australia Special Publication, 16, p.311-323.1990.
Vacelet, J. Coralline sponges and the evolution of the Porifera. In: Conway Morris, S.; George,J.D.; Gibson, R. & Platt, H.M.(eds.), The Origins and Relationships of Lower Invertebrates.Oxford: Oxford University Press, p.1-13. 1985.
Autor: Solange Peixinho
Monitoras colaboradoras: Joana Paixão e Patrícia Petitinga (Monitoria 98/99).
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