REPRODUÇÃO DE PROTOZOÁRIOS

POR

SOLANGE PEIXINHO

 

INTRODUÇÃO

 

Nos seres vivos a reprodução consiste na divisão de um organismo pré-existente em organismos irmãos. Nos casos mais simples de protozoários cada célula, por meio de sua divisão, pode ser utilizada na criação de novos indivíduos sem que permaneça o organismo parental.

 

Por outro lado, o aspecto essencial das atividades sexuais dos protozoários é a produção de núcleos gaméticos haplóides e sua subseqüente fusão para formar um núcleo zigótico haplóide.

 

A reprodução sexuada na quase totalidade dos metazoários é um tanto diferente. Nestes ocorre a separação de uma linhagem germinativa, cujos óvulos e espermatozóides asseguram a continuidade da vida, e de uma linhagem somática cujas células são mortais e não participam do processo reprodutivo. Cada tipo de  gameta usualmente é proveniente de dois indivíduos (macho e fêmea), que, freqüentemente permanecem vivos e produzem gametas adicionais para outras fertilizações.

 

Os gametas são produzidos por duas divisões sucessivas de células germinativas imaturas nas quais o número de cromossomos é reduzido à metade (número haplóide), vistos nos núcleos da células germinativas adultas em número diplóide. O resultado da união, por singamia ou fecundação,  dos gametas haplóides é um zigoto diplóide ou ovo que fará uma longa série de divisões celulares, acompanhadas de várias mudanças de forma para produzir um jovem indivíduo.

 

Embora a união de gametas haplóides ocorra em ao menos certos protozoários, o estádio diplóide resultante (zigoto) realiza reprodução enquanto se divide. Contudo, nos metazoários as divisões do zigoto são parte essencial do desenvolvimento de um novo indivíduo.

 

Muitas das formas de reprodução nos Protozoários compreendem uma reprodução assexuada ou agamogonia, que corresponde à fragmentação do indivíduo comportando uma ou várias mitoses. A mitose nos protozoários é distinta da observada em metazoários, pois há permanência da membrana nuclear, ausência de fuso ou então existência de um fuso intranuclear.

 

Quanto à meiose há variação de sua ocorrência nos ciclos de vida dos diferentes grupos de protozoários em função do número de cromossomos. Alguns têm núcleos diplóides como nas células somáticas dos metazoários, outros têm núcleos haplóides, como nos gametas de animais e plantas superiores, existindo ainda aqueles com núcleos poliplóides, isto é, têm três ou mais séries haplóides de cromossomos, como é caso do macronúcleo da maioria dos ciliados. Nos metazoários a redução cromossômica sempre precede a fecundação.

 

A reprodução dos protozoários, objeto deste texto, embora envolva sempre divisão de um organismo comporta vários métodos, os quais serão descritos a seguir. Antes porém faremos uma breve exposicão sobre os pontos de ocorrência da meiose nos ciclos de vida dos mesmos.

 

1. MEIOSE E CICLOS

 

Nos protozoários assim como em muitas plantas inferiores a meiose pode ocorrer logo após a fecundação; é a meiose zigótica que existe em várias gregarinas coccídios (filo Apicomplexa, classe Sporozoea, gênero Plasmodium ), poucos Sarcodina, alguns flagelados intestinais e também em certos Protista com afinidades vegetais, como o Volvox.

 

Esta meiose usualmente ocorre durante as duas primeiras divisões do zigoto. Nestes casos a fase ativa do ciclo de vida, ou uma parte dela, apresenta número haplóide de cromossomos e tais organismos são por isto denominados haplobiontes.

 

   NÞFertilização 2NÞMeiose (Formação de esporos) NÞ

 

Em muitos outros protozoários o número de cromossomos é diplóide na maior parte do ciclo, onde a meiose é gamética. São portanto comparáveis ao ciclo dos metazoários. Nos protozoários esta meiose resulta em núcleos gaméticos e ocorre em opalinídeos e ciliados. O ciclo é denominado diplobionte.

                  2NÞ Meiose (N) Fertilização 2NÞ

Há também um ciclo denominado haplodiplobionte conhecido em alguns formníferos. Nele as fases haplóide e diplóide correspondem às gerações distintas susceptíveis de apresentarem fenômenos de multiplicação assexuada. A meiose efetiva-se durante o último ciclo mitótico de diplonte.

 NÞ              Fertilização     2NÞ      Meiose

 

2. MÉTODOS DE REPRODUÇÃO

 

Os protozoários multiplicam-se mais freqüentemente por via assexuada, mas certos grupos recorrem regularmente ou sob determinadas condições do ambiente à reprodução sexuada, enquanto outros têm ciclos complexos nos quais alternam fases de multiplicação assexuada e sexuada. A habilidade de realizar uma fase sexuada está restrita aos ciliados, apicomplexos e alguns táxons de flagelados e sarcodinos.

 

O ciclo reprodutivo dos protozoários envolve um período de crescimento seguido pela reprodução, crescimento dos organismos resultantes e eventualmente sua própria reprodução. O período de crescimento individual oscila de várias horas a vários dias ou mesmo vários meses, como ocorre nos ciclos de vida de certos foramníferos.

 

        2.1. REPRODUÇÃO ASSEXUADA

 

É o processo mais simples de multiplicação, pois partindo de um só organismo que apresenta mitoses  formam-se outros com as mesmas características genéticas do organismo parental. Se não ocorrem mutações todos os descendentes serão comparáveis entre si, constituindo portanto, clones. 

Existem os seguintes métodos:

 

                     Divisão binária simples

 

Este tipo de reprodução baseia-se na bipartição do corpo celular. Nas amebas nuas não há plano de divisão, elas simplesmente assumem uma forma arredondada e dividem-se em duas metades basicamente iguais as células filhas recebem diretamente a estrutura do progenitor; em apenas um dos indivíduos será formado, de novo, um vacúolo contrátil. Já nas amebas testáceas há uma considerável variedade e sua divisão freqüentemente assemelha-se ao processo de brotamento (Fig. 1), como ocorre em Arcella . Nestas o protoplasma se exterioriza gradualmente pela abertura da concha como um grande pseudópodo, separando-se após mitose. O organismo gerador retém a concha e a metade do citoplasma, enquanto o outro membro secreta uma nova concha.

                                    Figura 1. Divisão binária de Arcella.

                       

Nos flagelados o corpo estrangula-se longitudinalmente  e cada indivíduo tem de diferenciar um novo aparelho flagelar.

                                                     Figura 2. Divisão binária de flagelado

 

Nos ciliados os dois tipos de núcleo (macro e micronúcleo) dividem-se e o corpo plasmático geralmente é estrangulado (Fig. 3) transversalmente; cada indivíduo recebe um par de núcleos . São necessárias como novas diferenciações: em cada metade um segundo vacúolo contrátil e para a célula filha “posterior” um novo citóstoma, incluindo áreas especializadas de cílios, pois o antigo citóstoma desloca-se para o organismo “anterior”. A diferenciação de novas organelas inicia-se já nas primeiras divisões nucleares e precede a divisão do citoplasma. Alguns ciliados, por exemplo, Colpoda, dividem-se dentro de cistos, inicialmente   em dois irmãos  que após nova divisão forma 4 ciliados, os quais são liberados quando há ruptura da parede do cisto. 

Uma exceção ao plano transversal de divisão nos ciliados ocorre em Vorticella, sendo nesta longitudinal.

                                                 Figura 3. Divisão binária de Paramecium.

 

Plasmotomia: Uma variante da fissão binária, ocorre em alguns protozoários multicelulados que normalmente dividem-se em mais de dois novos e pequenos organismos, realizando-se a  divisão citoplasmática independentemente de divisão nuclear. Ocorre em certos sarcodinos como Pelomyxa, em Opalinata, dentre outros. Os organismos irmãos, podem diferir tanto em tamanho como em número de núcleos que recebem.

               Divisão ou Fissão Múltipla (= esquizogonia)

 

A divisão múltipla segue-se às mitoses repetidas; em alguns grupos de protozoários, a divisão nuclear não é seguida imediatamente de citodierese. Resulta então a acumulação de muitos núcleos, milhares talvez, antes que se inicie a diferenciação das células filhas. Quando esta começa a se processar, formam-se quase concomitantemente muitos organismos filhos. Então o citoplasma divide-se em tantos territórios quantos os núcleos filhos, isolando elementos unicelulados ou esquizozoítos. Ocorre em protozoários parasitos (Apicomplexa, Microspora, Ascetospora e Mixozoa ) e em algumas espécies de vida livre (foramníferos e “radiolários”).

 

Dentre os protozoários de vida livre, os foramníferos são distintos, pois a fase sexuada é parte regular do ciclo de vida, alternando com uma fase sexuada

figura 4  representa o complexo ciclo de vida do Plasmodium, onde há duas fases - sexuada e assexuada; a esquizogonia ocorre nas células hepáticas e sanguíneas de humanos.

Figura 4. Ciclo evolutivo de Plasmodium.

 

              Brotamento

 

É uma forma de fissão no curso da qual pode a célula materna ser apenas afetada pelo processo reprodutor. No brotamento simples de um suctório, o ciliado paterno, sedentário, conserva seu aparelho alimentador, enquanto se realiza a divisão nuclear e é produzido um broto terminal ou lateral que se desenvolverá  convertendo-se em larva ciliada. Em outros casos, o brotamento é múltiplo e há produção simultânea de 4 a 12 larvas (em Ephelota), embora em outros suctórios, Acineta por exemplo, a larva possa aparecer por brotamento do fundo de uma cavidade matriz que se forma por invaginação da superfície do corpo. Em certos ciliados, ou seja da ordem Apostomatida, há casos de formação de cadeias lineares de ciliados formados por brotamento.

Os organismos ciliados resultantes do brotamento, nadam livremente até se estabelecerem num substrato, quando perdem os cílios e desenvolvem tentáculos alimentadores e pedúnculo fixador. 

 

2.2.  REPRODUÇÃO SEXUADA

 

Protozoários de vida livre normalmente recorrem à reprodução sexuada quando as condições ambientais tornam-se adversas, pois quando fatores ambientais e disponibilidade de alimento são favoráveis, a reprodução é assexuada.

 

Com base em feições superficiais, são reconhecidas algumas variedades de atividades sexuais nos protozoários:

 

-         SINGAMIA OU COPULAÇÃO: ou seja, a união completa de duas células haplóides (gametas). Em formas primitivas, observa-se ISOGAMIA morfológica, ou seja, semelhança dos dois gametas. Dela se deriva a ANISOGAMIA, na qual microgametas móveis (as células sexuais masculinas) se unem com os macrogametas (células sexuais femininas) imóveis, na maioria dos casos.

-         CONJUGAÇÃO: ou seja, união parcial transitória de dois indivíduos, na qual se trocam mutuamente núcleos haplóides de modo que, depois de realizada a separação, os núcleos dos ex-conjugantes possuem uma nova guarnição cromossômica combinada. A conjugação encontra-se somente nos ciliados, os protozoários mais altamente diferenciados e mais ricos em diferenciação citoplasmática. O ciclo é diplobionte.

Dois ciliados, na maior parte das vezes com a mesma forma, encontra-se um ao outro pela região oral; aí se forma uma ponte citoplasmática.

Figura 5. Esquema da conjugação em ciliados

 

Após a união pelo citóstoma, o macronúcleo de cada um se desorganiza e desaparece, enquanto o micronúcleo sofre duas divisões sucessivas, ou seja, meiose.

      - Dos 4 núcleos resultantes, 3 degeneram e o último se divide mais uma vez; os 2

            núcleos finais são chamados de PRONÚCLEOS: femininos e masculinos.

         - Os pronúcleos masculinos de um do outro migram para a célula de seu parceiro e se  

         unem com os pronúcleos femininos que haviam permanecido no lugar. O núcleo

         resultante resultante da fusão em cada célula é um zigoto (syncarion) onde o número diplóide de                       

         cromossomos é restabelecido.                          

       -  As células se separam e  cada uma delas se divide 3 vezes seguidas, produzindo 8 

          núcleos  filhos.

      - As duas primeiras divisões são meióticas

      - Dos 8 núcleos, 4 aumentam de tamanho até se transformar em outros tantos

         macronúcleos

      - Um fica sendo o micronúcleo e os demais desaparecem.

      - Seguem-se duas divisões normais do micronúcleo e de toda a célula ( porém sem

         multiplicação dos macronúcleos), dando como resultado final a produção de 4 ciliados a

         partir de um dos 2 ex-conjugantes, com um macronúcleo e um micronúcleo cada.

 

 Os parceiros da conjugação são hermafroditas, pois fornecem núcleos gaméticos de dois tipos, que se comportam diferentemente. Os paramécios, porém, só conjugam quando pertencem a diferentes, mas compatíveis, tipos de emparelhamento (Matingtypes),. Antes da conjugação há emissão de sinais químicos por alguns ciliados, mas em outros, como Paramecium, a substância química permanece na superfície celular a qual expressa a resposta quando os ciliados fazem contacto físico.

 

 Estes genes dizem respeito às qualidades bioquímicas dos cílios. Neste caso, os diferentes tipos de emparelhamento são fixados a partir de duas alternativas de intervenção de loci de genes, de modo que, num mesmo indivíduo somente um locus é ativo.

 

 Em algumas espécies de Paramecium verifica-se, em determinada condições do meio, autofecundação ou AUTOGAMIA: sem relação com um parceiro de emparelhamento, a meiose decorre, bem como todas as divisões seguintes, como numa conjugação “normal”. Os núcleos estacionários e migratórios de um indivíduo reunem-se então, diretamente de novo, no micronúcleo zigótico do qual derivam os novos macro e micronúcleos. Por meio deste processo de autogamia formam-se indivíduos isozigóticos e clones que são homozigóticos em relação a todos os pares de alelos. Este processo ocorre também em certos flagelados intestinais de insetos que se nutrem de madeira.

 

CITOGAMIA : é um caso misto, semelhante à conjugação, pelo fato de dois indivíduos se ligarem, mas onde não há ponte citoplasmática e nem troca de micronúcleo. O processo é AUTOGÂMICO.

 

Os ciliados denominados suctórios  praticam um processo que é uma modificação da conjugação, pois os conjugantes  têm aparência distinta. Quando um microconjugante localiza um macroconjugante eles se fundem. Isto é um tanto diferente do que ocorre na associação temporária de muitos ciliados.

 

Qual o real significado da conjugação e sua transformação intracelular entre os protozoários? Segundo Woodreff, 1925 (em Manwell, 1968 p.211) a “conjugação tem um valor direto de sobrevivência, e produz uma profunda estimulação das atividades metabólicas da célula, que é expressa na reprodução”.

Fenômenos sexuais como conjugação desempenham outro papel essencial, assegurando a continuidade da existência de espécies. Como outras formas de reprodução sexual, ele resulta numa população geneticamente diversa mais apta a sobreviver às inevitáveis variações de qualquer ambiente.

 

ESPOROGONIA

 

É um  caso particular de reprodução sexuada: após a singamia, o zigoto sofre reiteradas divisões nucleares e só após estas serem finalizadas, tem inicio a reprodução das células filhas. Nesta segunda fase do processo multiplicativo, a esporogonia assemelha-se à esquizogonia.

 

Em Apicomplexa onde a esporogonia alterna-se com a esquizogonia em cada ciclo evolutivo dos parasitos, a esporogonia costuma  conduzir à formação de elementos protegidos por um envoltório resistente – ESPOROZOÍTOS – destinados a resistir às condições desfavoráveis do meio exterior, durante a transmissão de infecção parasitária.

 

CONCLUSÃO

 

Vimos então que em numerosos protozoários, o ato sexual aparece  ocasionalmente, muitas vezes provocado por ações externas e cada indivíduo é capaz de levar a efeito a fecundação ou passar pelas modificações ( maturação) que conduzem à capacidade de fecundação. Mas em muitas espécies, determinados indivíduos podem multiplicar-se apenas assexuadamente, enquanto que outros, são destinados, sob a forma de gametas, à união sexual. Numa espécie alterna, muitas vezes, num determinado ciclo, gerações de indivíduos, uns com os outros que são diferentes do seu modo de reprodução e muitas vezes são também, na sua morfologia. Assim, um ciclo de desenvolvimento que abrange uma série  de gerações, conduz de novo ao mesmo estado. Designamos este processo por alternância de gerações; em parasitos, pode estar ligado a uma mudança de hospedeiros, principalmente nos Apicomplexa, por exemplo, nos agentes da malária.

 

 

BIBLIOGRAFIA UTILIZADA

 

BEAUMONT, A. C. & CASSIER, P. – Biologie Animale – des Protozoaries aux Métazoaries épithenionuriens. Vol. 1, Paris: Dunod, 1973. 447 p.

 

HADORN, C. & WEHNER, R. – Zoologia Geral . 20ª Ed., Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 1978 - 450 p.

 

HALL, R. P.  PROTOZOA – The simplest of all animals. N.Y.: Holt, Rinehart e Winstor, Inc., 1964 - 123 p.

 

KUDO, R. E. – Protozoologia. 8ª Ed. México: Ver. Cia. Editorial Continental, SA. de C.V. ,   1985. 905 p.

 

MANWELL, R. D. –Introdution to Protozoology. 2a. N.Y.: Ed. Ver. Dover Publications, Inc. 1968. 642 p.

 

SAVEL, J. – Biologie Animale – I. Cytologie – Reprodution. Paris : Societé d’Édition. DEnseignement   Supérieur, Paris V. 1970. 257p.

Outras Fontes:

 

www.biodidac.bio.uottawa.ca (Figs. 1 a 4)

http://mac2031.fujimi.hosei.ac.jp  (Fig. 5)

 

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