UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

INSTITUTO DE BIOLOGIA -DEPTO. DE ZOOLOGIA

DISCIPLINA: BIO 005 – ZOOLOGIA I

2002.2

 

Caracterização de eucariontes basais: protozoários

 

                                                       

 Por Solange Peixinho e Edson Camandaroba

Que são protozoários?

 

Costuma-se dizer que protozoários incluem organismos amebóides, flagelados, ciliados e produtores de esporos que são capazes de nutrição heterotrófica, tenham ou não cloroplastos, além disto, segundo o Comitê Internacional de Protozoologia, que ainda adota um sistema de classificação “utilitário”,  Protozoa é um subreino do Reino Protista.

A definição de “protista” tem mudado bastante ao longo dos tempos. Originalmente criado para incluir todos os organismos vivos que não eram nem plantas nem animais, na atualidade inclui uma grande quantidade de organismos que não podem ser considerados  um grupo monofilético.

Os protistas já foram subdivididos em algas, fungos e protozoários, com base no modo de nutrição, de locomoção e posteriormente subdivididos segundo o modo de vida dominante. Reconhece-se, por exemplo, que a locomoção amebóide foi adotada em diversas linhagens independentes. Assim, pesquisas nas últimas quatro décadas têm demonstrado que estas divisões são artificiais.

Para o enquadramento dos eucariotos inferiores, uni- e pluricelulares, protozoários sensu stricto e fungos inferiores em uma nova perspectiva, dois eventos foram muito importantes. O primeiro deles foi a popularização no início dos anos 60 da divisão das linhagens evolutivas procariotos/eucariotos e a segunda a ampla aceitação da hipótese de endossimbiose serial. A teoria de endossimbiose serial é na atualidade a hipótese mais popular sobre a origem da mitocôndria – a captura de um endossimbionte alfa-proteobacterial por um núcleo contendo um hóspede eucariótico semelhante a um extinto protista  amitocondrial.

  Os dois eventos acima referidos representaram o substrato teórico, enquanto a massa de dados, sobretudo de natureza ultraestrutural, consolidada no início dos anos 70, forneceram o suporte científico necessário à construção de uma nova macrosistemática.

O macrossistema de R.H. Whittaker foi o que obteve maior aceitação (Monera, Protista, Plantae, Fungi e Animalia). Um deste reinos vem definido como PROTISTA ou PROTOCTISTA – um dualismo que é uma questão puramente semântica, sendo que o termo Protista é o mais utilizado na literatura.

O que sabemos é que Protista ou Protoctista, compreende cerca de 200 000 espécies, extintas e recentes, organismos eucariotos, predominantemente microscópicos, com organização unicelular, sincicial, pluricelular e sem tecido – protozoários (com cerca de 65000 espécies descritas, das quais a metade é fóssil e 8000 são parasitas), algas e fungos inferiores (fungos mucilaginosos, sensu lato, Myxomicota, zoósporos e flagelados, Mastygomicotina).

Protozoários têm pouca anatomia para comparar, as homologias são incertas e com notável exceção, apenas uns poucos grupos (foramníferos, radiolários, silicoflagelados) deixaram registros fósseis.

Com a introdução de métodos moleculares para a reconstrução da história evolutiva dos protistas, incluindo ai os protozoários, houve uma exasperada busca das possíveis relações filogenéticas desses eucariotos basais, com total desinteresse pela posição de tais grupos nos esquemas de classificação, bem como de sua nomenclatura.

Foi neste cenário,  que  na metade dos anos 80 surgiram duas propostas similares, uma de Corliss, que consiste na definição e na caracterização de 45 filos subdivididos em 18 reagrupamentos suprafiléticos, dentro do Reino Protista. A outra, de Margulis, distribui os táxons do Reino Protista em 36 filos subdivididos em grupos de natureza funcional. Nos dois esquemas nenhum táxon é denominado Protozoa.

É interessante notar que o mesmo Corliss, em 1995, propõe seis reinos para os Eukariota e um deles é denominado Protozoa. Alguns grupos de protozoários amitocondriados, como os microsporídeos e os diplomonadidos são colocados num outro reino – Archezoa, com suporte molecular (sequenciamento de rRNA) para a condição dita “primitiva” destes dois grupos. Na visão da hipótese Archezoa, a origem endossimbiótica da mitocôndria ocorreu relativamente tarde na evolução eucariótica e os diversos grupos de protistas sem mitocôndria teriam divergido antes do estabelecimento da organela. No entanto, descobertas recentes de mitocôndria derivada de genes no genoma nuclear de entamoebas, microsporídios, diplomonadidos sugere que estes organismos descendem de ancestrais portadores de mitocôndrias. Há portanto filogenias conflitantes.

 No Reino Protozoa Corliss propõe 13 Filos (Apicomplexa, Ascetospora, Choanozoa, Ciliophora, Dinozoa, Euglenozoa, Heliozoa, Mycetazoa, Opalozoa, Parabasala, Percolozoa, Radiozoa e Rhizopoda). Parabasala, por exemplo, que contém as ordens Trichomonadida e Hypermastigida é um grupo monofilético, tendo vários caracteres homólogos, assim como o grupo Euglenozoa que para alguns autores seria formado por quatro subgrupos: euglenidos, kinetoplastidos, diplonemidos e postgardii. Apicomplexa, Ciliophora e Dinozoa (dinoflagelados) têm sido apontados como um grupo monofilético – os Alveolados, devido à presença de alvéolos corticais em sua estrutura. Vários outros estudos em curso apontam  diversos protozoários, incluindo os foramníferos (Rhizopoda) como prováveis candidatos ao grupo dos alveolados.

Enfim, em um ou mais dos esquemas de classificação, um ou mais reinos contêm grupos heterogêneos de diversos táxons e são merofiléticos.

Merece destaque a recente relocação de antigos seres microscópicos considerados protozoários, no grupo dos metazoários,  os Mixozoários. Em dois estudos similares nestes parasitos obrigatórios, os autores combinando caracteres morfológicos, de desenvolvimento, dados de sequenciamento de DNA, chegam a duas conclusões- numa eles seriam cnidarios extremamente reduzidos e na outra os autores grupam os Myxozoa com os metazoários bilaterais.

 É útil lembrar que nas últimas décadas o conceito de homologia foi estendido ao nível molecular. Deste modo, seqüências de nucleotídios em regiões homólogas de DNA ou seqüências de aminoácidos em proteínas homólogas podem ser comparadas e usadas na construção de cladogramas. É uma grande ferramenta.

Embora os estudos moleculares ainda não tenham conduzido a uma classificação consensual para os protistas, muitos progressos foram feitos. Deste modo, surge agora que os protistas são no melhor dos casos, um grade e não um clade e não formam um táxon monofilético. Ou seja, o Reino Protista não pode ser reconhecido como um grupo natural.

Diante do exposto, é óbvio que uma classificação natural de protozoários, enquanto grupo, ainda está distante e talvez nem ocorra, já que Protista e Protozoa na atualidade são reconhecidamente grupos merofiléticos.

De qualquer modo, a classificação de protozoários requer revisão regular pois a microscopia eletrônica moderna e novas técnicas bioquímicas e genéticas disponibilizam suporte científico sobre as relações de várias espécies e grupos de protistas, mostrando freqüentemente que prévias classificações eram incorretas.

Apesar das limitações, é conveniente  manter os protistas como uma reunião de organismos por razões ecológicas, biomédicas ou econômicas. As dificuldades ainda vigentes não podem esconder a potencial contribuição da filogenética de protozoários para a biologia neste começo de século, especialmente para a nossa compreensão da evolução da célula eucariótica, a interação entre os genomas nuclear e citoplasmático e a natureza do parasitismo.

Segundo Corliss  do ponto de vista do usuário – sejam estudantes, professores, médicos, naturalistas, taxinomistas, ecólogos , fisiólogos, bioquímicos ou biólogos evolutivos, celulares ou moleculares, o sistema de classificação ideal para protistas (e para todos os eucariotos) será aquele que reflita acuradamente as relações filogenéticas conhecidas, seja razoavelmente compacta, clara, descomplicada e compreensível. Poderá isto ser atingido no início do século 21? Finaliza o autor. E nós, esperamos.

 

Caracterização geral

 

Protozoários de vida livre que habitam os solos e águas naturais são extremamente diversos, não apenas em sua estrutura mas também na maneira de alimentar-se, reproduzir-se e mover-se. Entre os grupos predominantemente de vida livre estão os flagelados, os quais usam os seus flagelos tanto para a alimentação como para a locomoção.

Os flagelados exibem a maior diversidade de nutrição entre os protozoários – desde uma nutrição totalmente autotrófica  a completamente heterotrófica, como os animais, com vários graus entre estes extremos. Por exemplo, muitos flagelados autotróficos precisam consumir bactéria, pois só a fotossíntese não é suficiente. Estes e outros flagelados que têm algas simbiontes exibem um metabolismo conhecido como mixotrofia, no qual autotrofia e heterotrofia são combinadas de várias formas e em vários graus.

De fato, nutrição não é taxinomicamente significante pois muitos dos fitoflagelados, i. e., grupos semelhantes a plantas, não contêm pigmentos fotossintetizantes mas alimentam-se de modo heterotrófico. Os dinoflagelados são um bom exemplo: cerca da metade deles não contém pigmentos vegetais, mas  são classificados como dinoflagelados, pois em todos os outros aspectos eles são como os seus parceiros corados. Além disto, mesmo entre os corados muitos são mixotróficos.

Enquanto a maioria dos flagelados é de vida livre, alguns desenvolveram um modo de vida parasitária. Isto inclui os denominados hemoflagelados, devido ao fato de em algum estádio em seu ciclo de vida eles viverem no sangue de um hospedeiro vertebrado, a exemplo dos causadores da doença do sono e da doença de Chagas.

As amebas formam um grupo diversificado de protozoários de vida livre que provavelmente evoluíram de diferentes protozoários ancestrais. Enquanto alguns deles são freqüentemente considerados como os mais simples dos protozoários, sem forma organizada aparente, alguns outros membros são extremamente complexos. O mais sofisticado deste grupos são os portadores de concha ou foramníferos. Estes protozoários movem-se por meio de extrusões citoplasmáticas denominadas pseudópodos (= falsos pés). Os pseudópodos variam em estrutura e número entre as diferentes espécies. Como os flagelados,  este grupo amebóide inclui algumas espécies parasitas. Um exemplo bem conhecido é a Entamoeba histolytica, que causa disenteria amebiana em humanos.

Os protozoários mais complexos e evoluídos são os ciliados. A superfície celular é coberta por centenas de cílios dispostas em fileiras. Os cílios batem em ondas sincronizadas e deste modo propulsionam o organismos na água. A maioria dos ciliados possui um citóstoma (boca celular) pela qual o alimento penetra na célula. Alguns flagelados apresentam citóstoma também. Em alguns ciliados, os cílios em volta do citóstoma modificaram-se em membranelas, que criam um corrente alimentar e atua como um filtro que captura partículas alimentares.

Outra importante característica dos ciliados inclui dois tipos de núcleo ( macro- e micronúcleo), reprodução sexuada por conjugação e reprodução assexuada por fissão binária no plano equatorial ou transversal.

Um certo número de protozoários são exclusivamente parasitos, alguns em cordados, outros em invertebrados e outros ainda,  em  algas, onde se alimentam saprofiticamente da superfície das mesmas, pela secreção de enzimas extracelulares. É particularmente importante para os humanos o grupo dos apicomplexos, ou produtores de esporos, pois entre seus membros estão aquelas espécies responsáveis pela malária e pela toxoplasmose.

Os principais parasitos causadores de condições patológicas em humanos e outros vertebrados são encontrados nos apicomplexos, e nos  principais grupos de vida livre, amebóides, flagelados e cilióforos.

Este fato acoplado à importância dos protozoários de vida livre nos processos ecológicos, significa que mais conhecimento se tem sobre estes quatro grupos de “conveniência” - amebóides, flagelados, ciliados e produtores de esporos. Assim, nesta disciplina priorizamos as informações relativas à biologia e à ecologia destes, lembrando que protozoários são organismos unicelulares, sem parede celulósica,  incluindo aqueles que são capazes de nutrição heterotrófica, tenham ou não cloroplastos.

 

FONTES DE CONSULTA

ANDERSEN, R. A . What to do with Protists? Australian Systematic Botany 11: (2) 185-201,1998.

BRUGEROLLE, G. Flagellar and cytoskeletal systems in amitochondrial flagellates Archamoeba, Metamonada and Parabasala. Protoplasma, 164 (1-3) 70-90, 1991.

CORLISS, J.O. Classification of Protozoa and Protists: the current status. In: Evolutionary Relationships Among Protozoa. London: Chapman & Hall,1998.464p.,p.410-447                                                                                                                                                                                                                                                                    

ROGER, A .J. Reconstructing early events in eukaryotic evolution. The American Naturalist, 154, suppl. 146-163.1999.

SIMPSON, A.G.B. The identity and composition of the Euglenozoa. Archiv fur Protistenkunde 148: (3) 318-328, 1997.

http://www.britannica.com/eb/prin?eu=118983 (capturado em 2001)