"Trichomonas vaginalis e importância do seu citoesqueleto "

ANA BEATRIZ GUIMARÃES, CARLOS EDUARDO SAMPAIO GUEDES, FLÁVIO AUGUSTO RIBEIRO DE SOUZA, ILAI MORADILLO MELLO ALVES, LIA MIDORI MEYER NASCIMENTO & ZAFIRA EVELMA GURGEL

Professor Orientador Solange Peixinho

INTRODUÇÃO

O citoesqueleto, mais especificamente os microfilamentos de actina são a arma secreta da Trichomonas vaginalis o agente etiológico causador da tricomoníase, uma D.S.T.(doença sexualmente transmissível) que provoca a infecção do aparelho genital do homem e da mulher. É através deles que a Trichomonas vaginalis tira seu disfarce de " boa samaritana" ao regredir seu flagelo e originar seus " temíveis " pseudópodos fixadores, mostrando sua " verdadeira face ", a de um parasito que é infeccioso e impiedoso.

Portanto o objetivo desse trabalho é abordar aspectos estruturais e moleculares dos microfilamentos de actina, associando-os a fisiologia da Trichomonas vaginalis, bem como a exposição de aspectos patológicos do parasito, as técnicas e os métodos utilizados neste tipo de abordagem e suas finalidades.

CITOESQUELETO E SUA FUNÇÃO

Nos eucariontes, a estrutura que lhes permite adotar uma variedade de formas e executar movimentos coordenados depende de uma complexa rede de filamentos protéicos denominado citoesqueleto. Esta rede é formada por três principais tipos de filamentos: os microtúbulos, os filamentos intermediários e os microfilamentos. Tais filamentos diferem entre si quanto à estrutura, dimensões e funções que desempenham na célula.

Os microtúbulos são constituídos de subunidades de tubulina agrupadas de tal forma a originar um tubo oco de 25 nm de diâmetro, desempenhando funções como transporte de organelas nas células, formação do fuso mitótico , fluxo de substâncias no interior da célula e formação dos cílios e flagelos – flagelos estes que promovem a locomoção da Trichomonas vaginalis quando esta não está parasitando.

Já os filamentos intermediários são formados por monômeros de muitas proteínas, possuem um diâmetro de 10 nm e apresentam diversas funções, dentre elas, a formação da lâmina nuclear que organiza e desorganiza a carioteca antes e depois da divisão, respectivamente.

Além desses, existem ainda os microfilamentos de actina, que são alvos principais deste trabalho. Eles são constituídos de actina globular, ou g-actina, que fazem uma arrumação em hélice possuidora de uma extremidade "mais" (+) e uma extremidade "menos" (-). A actina tem, como papel, a sustentação de microvilosidades e outras projeções celulares, contração, ciclose e formação de pseudópodos que atuam na forma citotóxica da Trichomonas vaginalis, como será abordado mais adiante .

FILAMENTOS DE ACTINA

A actina é uma proteína bastante concentrada no citoesqueleto e presente em todas as células eucarióticas. Ela é importante para os movimentos celulares, podendo formar, nas células, estruturas lábeis ou estáveis.

Os filamentos de actina são filamentos que possuem duas extremidades diferentes - uma "mais" que possui um crescimento rápido e uma "menos", relativamente inerte (Fig.1). A polimerização in vitro da actina pura necessita de ATP e ions monovalentes ou divalentes de K ou Mg . Quando os ions são adicionados a monômeros de actina na presença de ATP, ocorre um aumento dos filamentos devido à polimerização rápida. A velocidade de polimerização é diferente em cada extremidade do filamento, sendo que, na extremidade "mais", ela é dez vezes mais rápida que na "menos".

A hidrólise de ATP é importante para a despolimerização dos filamentos, pois enfraquecerá as ligações no polímero. Este processo contribui para a troca rápida de subunidades existentes na célula. As moléculas de actina se polimerizam e despolimerizam no córtex das células, gerando microespículas e lamelipódios. Estas estruturas seriam geradas por uma polimerização local da actina nível da membrana plasmática, o que proporcionaria à membrana um impulso para frente sem se romper, gerando a formação de uma estrutura denominada pseudópodo que permite organismos, como a Trichomonas vaginalis, fixar-se ao hospedeiro

.Figura 1. Filamentos de actina (Fonte: ALBERTS B.Fundamentos da Biologia Celular)

TRICHOMONAS VAGINALIS

Trichomonas vaginalis, pertencente à família Trichomonadidae, foi descrita em 1836, presente em uma paciente com vaginite e, tempos depois, encontrada na uretrite de um homem.

Protozoário parasita e flagelado, possui a capacidade de formar pseudópodos que servem para a captura de alimentos e para se fixar em partículas sólidas, porém estes pseudópodos não realizam movimentos amebóides. As Trichomonas vaginalis transitam da forma flagelada para amebóide/aderente a depender da disponibilidade de suprimentos alimentares, que são ingeridos por fagocitose através dos finos pseudópodos.

É no trato geniturinário do homem e da mulher que o parasito produz a infecção – ele não sobrevive fora do sistema urogenital. Sua reprodução ocorre por divisão binária longitudinal e não há formação de cistos. A fisiologia pode ser descrita como organismos anaeróbios facultativos; como fonte de energia, utiliza monossacarídeos, principalmente o glicogênio; possuem numerosas enzimas glicolíticas e são desprovidos de mitocôndrio e citocromo, portanto o ciclo de Krebs é incompleto.

A transmissão ocorre através da relação sexual – é uma doença venérea. Em raros casos, pode ser transmitida durante o parto ou com o uso de objetos de uso pessoal e íntimo.

Em geral, a infecção ocorre no trato urogenital e os sintomas e sinais se manifestam de maneira diferente nos homens e nas mulheres. Nas mulheres, provoca vaginite, com dores e dificuldades miccionais e nas relações sexuais; a vagina e a cérvix mostram pontos hemorrágicos. Nos homens, provoca uretrite. A infecção pode se dar na próstata, na bexiga, na vesícula seminal e nos testículos, causando algumas patogenicidades, como cistite, prostite, epididimite e outras. A infecção pode estar associada a uma diminuição do glicogênio e enfraquecimento da camada epitelial.

A Trichomonas vaginalis não é sensível a antibióticos, mas muitas cepas apresentam, atualmente, resistência ao metronidazol; a vacino-terapia é uma tentativa de tratamento da tricomoníase.

A TRICHOMONAS VAGINALIS E O CITOESQUELETO DE ACTINA

Muitos estudos sobre os Tricomonadídeos têm sido realizados nos últimos anos, a maioria deles devotados ao estudo do citoesqueleto e a sua relação com a citotoxidade de alguns membros do grupo. Nesses estudos, as espécies mais utilizadas são: a Tetratrichomonas gallinarum, Trichomitus batrachorum, Tritrichomonas foetus, Tritrichomonas tenax, Pentatrichomonas hominis, Trichomonas equi e a Trichomonas vaginalis, que é alvo da maioria dos estudos. Dela, os cientistas removem o citoesqueleto de actina estudam sua composição bioquímica e sua relação com a patogenicidade da forma amebóide , pois a sua forma flagelada não pode parasitar.

Na forma amebóide observou-se uma grande quantidade de actina-G e de filamentos de actina polimerizada (actina-F) demonstrando a sua importância na formação de pseudópodos, com os quais esta alimenta-se e fixa-se ao hospedeiro.

Esta transição da forma flagelada para amebóide não era muito bem explicada há alguns anos, este aliado ao fato de terem sido encontradas Trichomonsa vaginalis em mulheres que não apresentavam a tricomoniase levou muitos cientistas a acreditarem que esta fosse uma "boa samaritana", sendo acusada injustamente por este fato. Mas estudos mais aprofundados mostraram que a Trichomonas vaginalis realmente era a causadora da tricomoniase, e que ela "tira seu disfarce de boa samarita na" ao transitar da forma flagelada para amebóíde/aderente, consumindo o glicogênio da mucosa vaginal e enfraquecendo o tecido epitelial.

Nestas pesquisas foi demonstrado que a actina da Trichomonas vaginalis é muito parecida com a actina dos vertebrados, diferindo apenas em algumas isoformas comprovadas pela eletroforese bidimensional. Essa actina foi observada na forma amebóide com a utilização de immunoblotting, de anticorpos anti-actina e corantes fluorescentes em microscopia de imunofluorescência, eletroforese bidimensional e microscopia eletrônica por immunogold, além da ultracentrifugação .

Muitos pesquisadores atualmente baseados no estudo do citoesqueleto de actina, atribuem a citotoxidade da Trichomonas vaginalis a este citoesqueleto , que se apresenta em grande quantidade na sua forma amebóide. Ao formar os pseudópodos, a actina da Trchomonas vagi nalis polimeriza e despolimeriza, produzindo filamentos lábeis que dão forma ao citoplasma desta, demonstrando que, sem esse citoesqueleto ela não pode formar pseudópodos e conseqüentemente não pode parasitar e se alimentar, portanto "morre de fome".

Esses estudos são importantes para o desenvolvimento de medicamentos que atuem sobre o citoesqueleto de actina e tenham, conseqüentemente, mais eficiência que os medicamentos atualmente utilizados  ( já que a Trichomonas vaginalis tem apresentado resistência ao metronidazol com já citado anteriormente), como a tricomicina, aminotrozol e nitrimidazina, abrindo campo inclusive para substâncias inibidoras de polimerização e estabilizadores de actina, como a citocalasina e a faloidina , respectivamente.

CONCLUSÃO

Foi observado no estudo que a proteína de actina é encontrada em todo o mundo eucariótico, já que está presente tanto nos tricomonadídeos quanto nas células humanas. Ela mostra-se altamente conservada, com exatamente 42 Kda em ambos os organismos, diferindo apenas em duas isoformas, ou seja, a actina é uma proteína fundamental para os organismos eucarióticos.

A função parasitária da Trichomonas vaginalis está intrinsecamente associada a aspectos funcionais e estruturais dos microfilamentos de actina, pois, com a regressão do flagelo e posterior polimerização da g-actina originando o filamento, proporciona a projeção da membrana. Essa projeção origina um pseudópodo fixador, o que permite à Trichomonas vaginalis parasitar o trato urogenital humano. Portanto, a finalidade do estudo do citoesqueleto consiste em elucidar uma provável técnica de combate à doença.

AGRADECIMENTOS

Nossos agradecimentos às professoras da UFBA., Ana Verena Madeira (Departamento de Zoologia, IBIO), Lúcia Perdiz (Departamento de Biologia, IBIO) e Luzimar Fernandez (Departamento de Bioquímica, ICS), pelo auxílio dado à nossa equipe.

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GLOSSÁRIO

Citocromo: proteína colorida, contendo um grupo heme, que transfere elétrons durante a respiração celular e fotossíntese.

Eletroforese Bidimensional: técnica utilizada para separar e identificar proteínas presentes em uma mistura quando submetidas a um campo elétrico. É composta de dois procedimentos, o primeiro baseado n o pH característico das proteínas, e o pI (ponto isoelétrico), e o segundo baseado no peso molecular e na carga elétrica específica das mesmas. específica das mesmas.

Glicogênio: polissacarideo composto exclusivamente por unidades de glicose, utilizada para armazenar energia em células animais

Immunoblotting: técnica que permite identificar uma molécula especifica entre diversas, com a utilização de um anticorpo marcado com um isótopo radioativo, que ao se ligar a essa molécula específica, permite que a presença da mesma seja detectada.

Imunofluorescência: técnica usada para identificar uma molécula especifica, através da ação de um anticorpo, marcado com um corante fluorescente, que se ligará a essa molécula e permitirá a detecção da mesma.

Imunogold: técnica empregada para identificar ma molécula específica, entre diversas, através da utilização de um anticorpo com esferas do ouro coloidal. Ele se ligará à molécula específica fazendo com que a mesma possa ser identificada.

Isoforma: uma das várias formas da mesma proteína que possui alguma diferença na seqüência de aminoácidos

ligar a essa molécula específica; permite que a presença da mesma seja detectada.

Pseudópodo: grande protrusão da superfície celular formada pelas células amebóides. À medida que estas vão se movimentando. Mais genericamente, qualquer extensão dinâmica, rica em actina, na superfície da célula animal.

Ultracentrifugação: procedimento que permite o isolamento de proteínas e organelas, baseada na diferença de tamanho e densidade entre as mesmas que ao serem giradas em torno de m eixo a velocidades altas separam-se em um gradiente de densidade.


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